EU, OTÁRIA

Mulheres inteligentes, escolhas imbecis

terça-feira, agosto 15, 2006

IDIOTA



Amanda Vieira

Devia estar escrito na testa: "Idiota". Na dele, não na minha, que ultimamente só comporta algumas espinhas. Mas as letrinhas vão surgindo aos poucos, e a gente sempre acha que na testa vai se completar uma outra palavra, algo melhor, de preferência.
Comigo foi assim, começou com um "I", que eu logo localizei na testa do cidadão. "I", eu esperava, de "Inteligente". Bom, eu esperava que fosse... Eu me apaixono por inteligência, isso pra mim é muito sério. É muito perigoso, na verdade. Porque se o cara tem um tal grau de inteligência que me faz rir da vida, eu até esqueço das outras coisas como idade, barrigão de choppe, vinte graus de miopia, nariz torto, e, pasme, até caráter. É. Caráter. Mas calma, eu ainda estou explicando o "I": o cidadão, em mesa de bar, se mostrou capaz não só de manjar muito de um determinado assunto, como também conseguiu dialogar com os pobres mortais, sem cair naquela coisa chata de ismos e dogmas. Era nitidamente, inteligente.
Daí que depois do moço aparentar uma inteligência brilhante eu esperava um "n", mas aí veio um "D". É, um "D" de "Desculpa, mas tenho que ir". "Desculpa, mas não posso falar com você agora". "Desculpa, mas não posso sair com você no sábado". Isso é um "D", mas a gente acha que pode ser ID, ID... Ídolo. A gente acha o máximo poder venerar um cara tão ocupado, importante, e inteligente. Aí ele vira um "ídolo". Mas eu, naquela altura, nunca ia achar que aquilo era um D de IDiota.
Aí papo vai, papo vem, você consegue se encontrar com o moço-ídolo numa terça-feira. Numa terça cinzenta? É. Numa terça cinzenta. Você saiu tarde do trabalho, tem que levantar cedo no dia seguinte, e ainda tem um monte de roupa pra passar, louça pra lavar, coisas chatas para resolver. Mas terça é o dia livre do tal cidadão - que sempre te despreza nos finais de semana, diga-se de passagem. Mas enfim, podemos encarar o fato como um simples "i" de "idiossincrasia" - é da pessoa, querer marcar programas românticos numa terça. Cineminha na terça. Jantarzinho na terça. Você até perdoa, né?
Mas daí já é tarde, porque no outro sábado você lê as mesmas letras: ligações não atendidas, desculpas esfarrapadas, sábados perdidos, e banca a "otária" da história. Você percebe aquele "O" como um tapa na cara, porque não dá mais pra fingir que não dá pra ler qual é a do rapaz: "IDIO...", "IDIO..."... Ta. Tá, na cara, assim, idioTA, como um tapa.
Idiota, estava lá, brilhante, pra quem quisesse ler. Na minha testa, não, na do cara. Depois dessa, só ando de óculos escuros. Ah. Esses óculos que a vida me dá...